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PAI

Fazia tempo que não pensava no meu pai.

Que não lembrava do meu pai.

Há tanto tempo que se foi e há tempos ele já ia aos poucos em mim, mesmo em vida.

E doía, sem nem saber o que era dor.

E já era saudade das poucas memórias dele em mim.

Ouvia- o acordar, quando eu ia dormir. Um corpo já velho de pai para uma criança pequena, espreguiçava-se e eu, fingindo dormir, ouvia uma respiração profunda e seus ossos fazerem barulho ao se esticar e fazia o sinal da cruz.

E levantava.

Eu dormia.

Ele chegava.

Eu não via.

A saudade de coisas que gostaria que fosse, não foram.

Então imaginei e criei um pai aqui dentro de mim.

Esse viveu por muito tempo comigo.

Cuidando de quem eu era.

E fomos felizes juntos.

Mas, esse também se foi, não tão rápido quanto aquele que a vida me dera.

Fui descendo de seu colo, agarrando suas pernas, pegando em sua mão até soltar seu dedo mindinho, ainda apertando muito.

De repente me vi no chão, sem ele comigo.

Rimos entre nós nesse instante que já não existe.

Pede-me a benção, como de costume e se despede.

Agora quem se levanta da cama e se estica com o corpo fazendo barulho sou eu.

Igual ao meu pai.

Sem credo, não faço sinal da cruz.

Diferente do meu pai.



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