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Mundo Vagão

Atualizado: 11 de set. de 2018

" Vagão que abre. Gente que entra, gente que sai. Poltrona livre e sento com pomposa satisfação. Porta fecha. Criança com cara pintada em cor de botijão. Olhar implosivo em gesto silencioso e havaianas maiores que o pé".

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Quando o barulho te silencia. Você já sentiu isso? Aqueles que usufruem da tenra sensação de transitar por vagões de metrô, provavelmente compactua de inúmeras situações: rotineiras, agradáveis ou nem tão agradáveis assim.

Respiro fundo e enlargueço os pulmões ao entrar no vagão do metrô. Sinto cheiros de perfumes e suor , de álcool, de tinta, de unha recém pintada, biscoito de polvilho, sapatilha emborrachada e moletons maus-secados.

Que cheiro será que tenho misturado a todos esses no vagão? A bala de menta extra forte compartilhada entre amigos. Fones de ouvido. Moços fazendo propaganda dos “corre” que é trampar no vagão. Narração criativa e bala de gengibre com mel comprada com sucesso para aliviar minha tosse na garganta. 2 reais.

O espírito da dispersão perpassa por meus dias. Pelo nossos dias. Sou só e, sou multidão . Enxergo –me em mim. Enxergo-me no outro.

Incomodo-me com o outro. Enfureço por também ser esse outro.

Vagão que abre. Gente que entra, gente que sai. Poltrona livre e sento com pomposa satisfação. Porta fecha. Criança com cara pintada em cor de botijão. Olhar implosivo em gesto silencioso e havaianas maiores que o pé.

Na pequena mão, papéis dos quais já se sabe a escrita. “ Ajuda aê, meu irmão”!

É vida desigual aqui dentro do mundo-vagão.

A criança de cara pintada, cor de botijão, com havaianas maiores que o pé, entrega em cada mão o papel de ser invisível em multidão. A quem pega, esperança de ganhar um tostão.

O pequenino vestia em seu corpo, camiseta cor de sol radiante e com os dizeres: The Lion King. Sim, o rei leão aqui , no mundo -vagão, se reverencia em troca da mínima percepção.

Entrega seu fétido papel enquanto não chegamos a próxima estação. Alguns pegam no colo, outros com a mão. Mas, a moça perdida em sua leitura se fecha ao mundo- livro e o pedacinho de papel voa da sua coxa até o chão. Lion king abaixa-se e o lança novamente a mesma posição, na coxa da mulher que lê no vagão.

O pequeno Lion King não se rende e tenta: uma, duas, três, quatro vezes então. Consegue finalmente intactar seu fétido papel na coxa da moça, dispersada em seu livro que não percebe Lion King em sua direção.

O livro com proteção estampada impede identificar seu título. Vagão abre. Moça que levanta e sai. Fétido papel de Lion King, cai.

Gente que entra, gente que sai. Correria na recolha do papel de ajuda e alguns trocados que saem. Toque de fechamento das portas.

Lion King : de cara pintada cor de botijão, saí num ímpeto. Aquele mundo- vagão ali, já não lhe serve mais.

 
 
 

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